Para dom Geremias Steinmetz, a participação do cidadão das discussões políticas representa o verdadeiro fortalecimento da democracia
Com esta entrevista concedida pelo arcebispo de Londrina (PR), dom Geremias Steinmetz, a Agência de Notícias SIGNIS inicia uma série de diálogos com lideranças e especialistas da Igreja Católica no Brasil, sobre o tema das eleições deste ano. Nossa proposta é oferecer diferentes pontos de vista de quem está a serviço da causa do Evangelho a respeito dessa temática, sempre importante e desafiadora, sobretudo segundo o cenário político do Brasil hoje.
Na entrevista de estreia, Dom Geremias Steinmetz enfatiza o papel da Igreja na discussão dos temas políticos e, em particular, sua contribuição para o processo eleitoral deste ano, para o qual o Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a exemplo de anos anteriores, preparou uma cartilha de orientação política para subsídio da reflexão das pessoas (confira texto no final da entrevista). Confira, a seguir, os principais trechos dessa entrevista:
Qual a avaliação geral que o Sr. faz do atual momento político brasileiro, tendo em vista as eleições deste ano?
Mais uma vez, temos que dizer claramente que há ainda um clima de bastante polarização e as composições estão sendo feitas por meio de diálogo, de encontros e desencontros. Podemos ver que há propostas bem concretas, que já podem ser avaliadas pela sociedade brasileira. Propostas que já vêm ao encontro das grandes questões do nosso povo como, por exemplo, a questão da democracia e o uso da urna eletrônica. Estão colocados também grandes temas nacionais como internacionais, como a questão do meio ambiente, da representação do nosso país no âmbito internacional, do armamento, da terra (como a ocupação da Amazônia). Também estão colocadas em discussão temas em nível estadual, como a questão da qualidade das universidades públicas, da educação. Os candidatos que começam a ser definidos devem se colocar diante dessas questões. As eleições gerais se constituem um dos momentos mais importantes da atualidade no Brasil e trarão implicações para a vida de todas as pessoas. Penso que muitos políticos já estão cientes dessas questões e deverão dar as suas respostas nos debates que acontecerão.
Qual é o papel da Igreja nesse contexto?
Fiel à sua missão evangelizadora, neste momento, a Igreja no Brasil, a partir do nosso Regional da CNBB aqui no Paraná, oferece mais uma vez uma cartilha a fim de orientar politicamente os cidadãos sem interferir na opção partidária, mas ajudando a entender as grandes questões nacionais. A Igreja coloca o Evangelho como fonte da dignidade humana e da fraternidade, assim como o papa fala na encíclica Fratelli Tutti, cujas provocações possuem uma dimensão social. Por isso, a Igreja se compromete com a defesa da vida integral, com a busca da paz e da fraternidade, valores com o bem comum. Essas são questões com as quais a Igreja se preocupa e são questões com as quais a sociedade também precisa se preocupar. Nesse sentido, a Igreja é um espaço aberto a todos que, mesmo na diversidade de ideias e opções político-partidárias, são bem-vindas para o diálogo, hoje mais necessário do que nunca no Brasil. Por isso, todos devemos participar do debate eleitoral. Acho que ninguém pode dizer que não quer participar da política, porque se você se cala, está fazendo uma opção política e favorecendo alguém. Se você diz alguma coisa, demonstra a sua participação, porque esse quadro também exige a sua resposta.
Como a comunidade pode promover esse diálogo político com sobriedade, de modo que ele não favoreça a polarização?
Penso que precisamos conhecer ao menos um pouco a história política do nosso país e ter consciência do que aconteceu de mais efervescente na última década. Por conta do individualismo da nossa cultura, que tende a valorizar mais os direitos individuais das pessoas, de classes sociais, as pessoas tendem a realizar essa discussão política de maneira errada. Paulo Freire, quando fala do diálogo, diz que quando devo discutir com os outros, preciso ter argumentos capazes de convencer o outro em favor das minhas demandas. Se, por exemplo, quero construir a paz, preciso colocar para as pessoas como vou contribuir para isso. Há grupos que dizem querer construir a paz, mas querem fazer isso com violência, com mentiras, fake News. Isso não vai dar certo. Nesse momento de discussão política, é preciso se munir de bons argumentos para poder oferecer a nossa reflexão a pessoas diferentes como não católicos, por exemplo. Assim se faz política. Hoje, o grande local de diálogo é o WhatsApp. Mas isso contribui, de fato, para um diálogo sério pelo qual valha a pena perder o nosso tempo? Por isso, é importante escutar bons líderes; ler bons textos; conhecer a cultura política do País, assim como as grandes necessidades do Brasil, de um Estado e de uma região.
Além da posição dos políticos em relação aos grandes temas do País e da sua região hoje, o que mais no perfil dos candidatos às eleições o eleitor deve levar em conta ao fazer as suas escolhas eleitorais?
Em primeiro lugar, acho que devemos levar em conta a defesa de uma política em favor da vida integral do nosso povo. Observar como cada político se coloca, de fato, a serviço da vida e do bem comum. Nesse sentido, é preciso saber, por exemplo, como é que ele lida com a questão da corrupção e com o diálogo com os diferentes na política, porque esse é um espaço do encontro dos diferentes. Quais são exatamente as pautas que esse ou aquele candidato apresenta para que a sociedade avance em termos de paz, de solidariedade, de acesso aos bens que lhe são de direito, além da educação, saúde, segurança, especialmente por parte dos mais pobres? Essas são questões sobre as quais, hoje, um governante tem que responder. Com o nosso voto podemos ajudar a decidir como enfrentar essas questões.
Como o Sr. já disse, o Regional Sul 2 da CNBB está produzindo, a exemplo do que vem fazendo há alguns anos, uma cartilha de orientação política. O uso de material como subsídio nas comunidades católicas é uma oportunidade para a Igreja dê testemunho de um debate político saudável, certo?
Sim! Temos melhorado na elaboração dessa carta que, na CNBB, sempre foi bem avaliada e muitas dioceses ao longo do Brasil a adquiriram. Este ano, a CNBB deve oferecer também outras opções de cartilha. A nossa cartilha deverá estar pronta no início de abril para ser vendida e colocada na mão do povo. Esperamos abrir campos de discussão para que as pessoas possam compreender bem essas questões importantes. Além disso, é importante dizer que a Igreja já contribuiu muito com a formulação e aprovação de leis e difundiram orientações que ajudaram a quebrar essas estruturas opressivas para com o nosso povo. É o caso, por exemplo, da compra e venda de votos, iniciativas que já foram criminalizadas. É o caso também da Lei da Ficha Limpa. São iniciativas do passado em que a Igreja esteve envolvida. Hoje, temos que enfrentar questões como fake News, a defesa da democracia e do meio ambiente. Muita coisa importante pode ser levantada no debate para essas novas eleições, tendo em vista o momento atual do País.
Como o Sr. avalia a experiência de diálogo político no seio da própria CNBB?
A CNBB dialoga muito. Nós temos a Assembleia Geral como órgão máximo, mas temos também a presidência da entidade, o seu Conselho Permanente, o Conselho Episcopal Pastoral-Consep (que reúne a presidência da Conferência e os presidentes das Comissões Episcopais). Também nos Regionais, a CNBB dialoga bastante por meio das suas presidências. Cada Regional tem a sua organização por meio da qual ele promove o diálogo. Nas próximas eleições, deveremos dialogar muito com candidatos sobre alguns temas. Temos que ter uma boa conversa com a sociedade brasileira, por exemplo, sobre o Acordo Brasil-Santa Sé, sobre a defesa da “casa comum”, que é uma bandeira que a Igreja tem que levantar. Tem também a defesa da democracia; não podemos flertar, em hipótese alguma, com qualquer outro modo de governo que não democrático. E democrático no sentido que nasce efetivamente do povo, que considera o voto livre, consciente e organizado. A defesa do verdadeiro estado laico é outra questão importante com a qual a CNBB tem bastante consciência e clareza, assim como a defesa integral da vida. Outra pauta é a economia de Francisco e sua abordagem solidária como resposta ao atual modelo econômico: não podemos simplesmente continuar com a economia que devasta o nosso planeta. Educação, pobreza, exclusão e justiça social são outros temas sobre os quais a CNBB tem uma posição clara e deverão servir de pauta para o diálogo com aqueles candidatos que se colocarem à disposição para isso.
Cartilha de orientação política do Regional Sul 2 da CNBB
Atualizada a cada novo processo eleitoral e preparada há mais de 20 anos, a Cartilha Política do Regional Sul 2 da CNBB (que compreende as dioceses do estado do Paraná) para 2022 é um dos documentos que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil indica como subsídio para a reflexão dos eleitores sobre o processo eleitoral deste ano.
Dom Geremias descreveu quais serão os principais tópicos que a Cartilha deste ano deverá conter. Ele explica que esse documento conterá três grandes capítulos. O primeiro tratará da relação da Igreja Católica com a política. A Doutrina Social da Igreja; o pensamento da Igreja sobre o tema “política”; ideias presentes na carta encíclica Fratelli Tutti como a fraternidade e amizade social, e a responsabilidade cristã diante da política são os tópicos a serem tratados nesse primeiro capítulo da cartilha.
No seu segundo capítulo, a cartilha política do Regional Sul 2 da CNBB apresenta informações e orientações gerais sobre o processo eleitoral deste ano. Conceitos como política, democracia e cidadania são tratados nesse capítulo, que aborda também o sistema político brasileiro, o papel dos cargos públicos para os quais os candidatos devem concorrer nesse pleito, inclusive na discussão das grandes questões da sociedade. Esse capítulo trará ainda informações sobre direitos e deveres dos candidatos e dos eleitores e sobre a legislação eleitoral. “Nesse ponto, vai ser falar bastante sobre a questão das fake News”, informou o arcebispo. “A intenção é aumentar a conscientização do nosso povo sobre esse que é um grande mal”.
A política a favor da vida integral é o tema do terceiro e último capítulo da cartilha. A política a serviço da vida e do bem comum; a necessidade da política para a boa organização da sociedade são questões a serem tratadas nesse capítulo. Sobre esse último aspecto, Dom Geremias salientou a importância das políticas públicas que, se bem pensadas e aplicadas, tendem a ser inclusivas. “São um verdadeiro fortalecimento da democracia”, afirmou o prelado. Para ele, a maior participação dos cidadãos na discussão de políticas públicas tende a tornar mais democrática a sociedade. O último capítulo da cartilha política do Regional Sul 2 da CNBB trará ainda a reflexão sobre como a boa política pode ajudar a enfrentar os desafios do pós-pandemia como a fome, o desemprego, o aumento da inflação e seus impactos na economia (especialmente entre os mais pobres), a falta de moradia, o esgotamento sanitário e os problemas na área da educação.
Dom Geremias evidenciou ainda questões importantes que estarão na cartilha sobre as quais a posição da Igreja é clara como a defesa da vida, da concepção à morte natural; a observância dos direitos sociais que garantem a dignidade da pessoa, e a defesa da democracia e o engajamento os jovens na vida política. Em relação a essa última questão, o arcebispo de Londrina manifestou preocupação com a apatia de muitos jovens em relação às questões políticas e a dificuldade como certos movimentos eclesiais têm em lidar com esses temas.
Luís Henrique Marques
Agência de Notícias SIGNIS
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